Bernardinho planeja deixar seleção de vôlei após Rio-2016


Há 13 anos à frente da seleção masculina de vôlei, Bernardinho vai trocar as mãos pelos pés no seu planejamento para as Olimpíadas de 2016, quando passará o bastão. Para que a saideira seja perfeita, ele conversará antes com o técnico Felipão a fim de tirar lições da Copa do Mundo disputada no Brasil.

É possível tirar da Copa alguma lição para as Olimpíadas?

Foi um aprendizado. Uma coisa que me preocupava antes da Copa era saber como lidar com a experiência de jogar no Brasil. Penso nisso em relação a 2016. Vi uma pressão gigantesca. O que eu acho, de fora, é que numa competição de tanta responsabilidade e pressão, talvez uma liderança mais veterana em campo seja importante.

Vai conversar com o Felipão e o Parreira?

Essa é minha grande vontade. Adoraria encontrá-los. Certamente vou explorá-los nesse aspecto. Eles devem ter coisas na cabeça que eu gostaria de entender e trazer para mim como experiência. Quando o Brasil perdeu a Copa em 2006, aprendi muito. Vi erros que a gente não podia cometer.

Refere-se ao oba-oba?

Não dava para controlar. Se fecha o treino, vão dizer que é um absurdo. Se abre demais, é oba-oba, Big Brother. É duro. Como se faz?

Vai evitar o oba-oba em 2016?

Essa é uma das questões que a gente vai ter de trabalhar. Há hora de atender a imprensa, hora de fazer o que tem que ser feito. Vão querer fazer reportagem no Pão de Açúcar? Esquece. Não vão fazer. Quantos amigos vão ligar para pedir ingresso? Quantas pessoas da imprensa, que jamais viajariam para cobrir uma competição de vôlei fora, estarão aqui? Vou coibir a perda de foco.

Os alemães, adversários do Brasil na estreia no Mundial (dia 1º de setembro, na Polônia), são perigosos no vôlei?

Apesar de não ter tradição, é um time forte fisicamente. Será uma estreia perigosa. Nem pense em vingança. A gente tem que jogar o nosso vôlei. É apenas uma estreia.

O que seria no vôlei uma derrota por 7 a 1 no futebol?

Não sei, mas é duro. Fiquei anestesiado, sem entender. Foi um choque mesmo.

Já passou pela sua cabeça se dedicar ao futebol?

Já. Tive sondagens de vários times. Da seleção, inclusive.

Para ser treinador?

Não. Até porque eu não aceitaria. Você tem que ter noção da sua capacidade. Era para participar de uma comissão técnica. Mas eu tinha prioridades no meu esporte.

Para o futuro é possível?

Não é impossível, mas não vejo na estrutura atual como isso pode acontecer. Não vejo a intenção de se criar um modelo no qual você possa trabalhar durante quatro ou oito anos. Depois de 2016, não acredito que serei mais o treinador da seleção. Não estou antecipando nada, mas acho que o Rubinho, meu assistente, é a pessoa mais preparada para dar sequência a esse trabalho.

O que planeja para a carreira após a Olimpíada?

Não me vejo muito longe da quadra. Meu pavor é esse. Pode tirar imprensa, holofotes, tudo. Na boa? Não vou sentir falta. Agora, a quadra vai me fazer falta. Não me vejo sentado numa mesa. Eu gosto da quadra, do contato com o jogador. É uma paixão que nos trai às vezes porque você sofre quando perde. Esse CT foi inaugurado há 11 anos, e estou aqui desde o primeiro dia. Esse é o preço. É hora de abrir espaço para outro. É um direito da CBV. Não sei qual será a decisão deles, não parei para pensar no que vou fazer, mas acho que talvez seja hora de outros assumirem. Vejo o Rubinho como a sequência de uma linha de trabalho. Eu penso em continuar com a equipe feminina da Unilever, no Rio.

Por que filiou-se ao PSDB?

Aécio Neves e o presidente Fernando Henrique me convidaram. Foi para que eu me candidatasse a governador do Rio. Se eu não me filiasse até um determinado dia do ano passado, não poderia mais concorrer. Depois de muita reflexão, decidi não me candidatar. Não me sentia competente. Numa conversa, o economista Armínio Fraga me perguntou: "Bernardo, o que você faz?" Eu disse: "Monto times". Ele: "Monte o melhor time. E você vai gerir o melhor time". Aquilo me fez pensar, mas ele não me convenceu, não.

Seu time, o Botafogo, está com os salários atrasados. Qual é o seu sentimento?

Um absurdo. Não posso ajudar. Se o clube chegou a essa situação, a responsabilidade não é só do Mauricio (Assumpção). Tem muita coisa para trás. Isso me faz ficar preocupado, me deixa sentido. Temos que rever os conceitos de gestão do futebol.

E o escândalo do Ary Graça, no vôlei? Acha que tem que ser revista também a gestão dos esportes olímpicos?

Infelizmente, vivemos num país em que há um nível de corrupção e impunidade. A crise não é financeira. Ela é de valores. Não adianta falar da crise do vôlei, que é pontual. Ou da crise do futebol. Ou da crise política. Estou falando de tudo. Da saúde… Quando estou no quarto estudando, perco o foco pensando nos problemas do País. Dizer que não há recursos? Acabamos de construir quantos estádios? Não podíamos ter feito a Copa com seis sedes? Podíamos. Isso é falta de prioridade. É desperdício.

O vôlei masculino perdeu a Liga Mundial. A safra é ruim?

É uma boa geração, mas comparamos com outra que ganhou muito, né? A gente precisa voltar a ganhar. A seleção feminina tem demonstrado uma capacidade superior à da masculina. Temos uma geração que talvez não tenha a mesma competência da feminina. Mas estaremos na briga por uma medalha de ouro. Inclusive no Mundial. Você nunca tinha ouvido falado do Irã, que ganhou do Brasil e de grandes times.

Não tem mais bobo no vôlei?

Não tem. Ou, talvez ainda tenha um pouco mais de bobo do que no futebol. Viu a bola da Costa Rica na Copa? Está tudo globalizado.

Estamos com a mão na medalha?

Estamos longe. Vamos tentar pegar a medalha, puxando pela fita (risos). Há candidatos na nossa frente. A Rússia está. Estamos no bolo com Estados Unidos, Sérvia, Polônia, Itália. O Irã pode ganhar de um grande, mas acho que não chega.

É doloroso perder para o Irã?

Dói perder para qualquer um. Fico p… Perder é perder.

É verdade que você dorme mal?

É. Penso muito. A final com os Estados Unidos não saía da minha cabeça. Eu dormia, pensava na derrota. E aquilo me incomodava.

O trabalho te estressa mais do que a vida pessoal?

Estou numa fase de tranquilidade pessoal, mas tenho uma prima que é minha madrinha e está doente. Confesso que não acordo de noite pensando nela. Eu acordo — ou deixo de dormir — pensando em trabalho.

Sua fama de durão é folclore?

Grande parte do que dizem é folclore. Dizem que eu mordo até fora de quadra. Nada disso. Mas, na quadra, tenho que ser assim… Se eu não for, vão até estranhar. Mas durona mesmo é minha mulher lá em casa. Eu sou mole (risos).



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