Vôlei trabalha sob pressão em busca do ouro olímpico

 

Crédito: Edu Lopes / Click De Gente
Um novato que chegasse hoje à seleção brasileira de vôlei teria duas certezas imediatas. Primeira: a vida não está nada fácil. Em ano de Olimpíada em casa, a cobrança do técnico Bernardinho e a exigência nos treinos são enormes. Segunda: se Murilo estiver em quadra, todos poderão jogar "soltos", porque o veterano atacante está sempre disposto a assumir a responsabilidade pelo time.
Não é apenas uma qualidade individual. É uma tradição que o jogador faz questão de levar adiante. Como aprendeu com os companheiros que o acolheram em 2003, Murilo Endres quer ajudar as novas gerações na manutenção de um círculo virtuoso que faz do Brasil referência mundial no esporte nas últimas décadas. Um passo importante dessa missão — talvez o maior deles — será dado em agosto. A medalha de ouro nos Jogos Olímpicos em casa pode impulsionar o crescimento do vôlei com ainda mais força do que as conquistas em Barcelona-1992 e Atenas-2004. Ela também ajudaria a reforçar a imagem do esporte após escândalos de má gestão, além de atrair investimentos mesmo em tempos de crise.
Para Murilo, o ouro teria também um significado pessoal, de fechamento de um ciclo. Aos 35 anos, o jogador fará no Rio sua despedida olímpica. "Ele merece um final bonito para essa história", diz o líbero Sérgio Escadinha, companheiro no SESI-SP e na seleção. A opinião é compartilhada por outros atletas que assistiram à trajetória do atacante e hoje treinam e jogam com ele. Murilo é um dos pilares do time do técnico Bernardinho. Entrou no elenco aos 21 anos, ainda deslumbrado com o fato de estar na mesma equipe de Giovane Gávio, uma de suas principais referências. Em 2008, ganhou a missão de substituir Giba, machucado, durante a campanha da medalha de prata nos Jogos de Pequim. Começava ali a ganhar a vaga de titular e a moldar o perfil de liderança que mostra dentro e fora da quadra.
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Marcos Pacheco, técnico do atleta no SESI-SP, conhece bem a importância de ter Murilo para exercer esse papel. Os exemplos são vários, e o mais recente deles aconteceu em janeiro, durante a semifinal da Copa Brasil, que a equipe paulista perdeu para o Sada/Cruzeiro por 3 sets a 2. O treinador não podia contar com dois ponteiros titulares, Theo e Douglas Souza, nem com o reserva imediato deles, Thiago Alves. Por isso, foi obrigado a jogar na fogueira o novato Vaccari, de apenas 19 anos. "O Murilo falava para ele: 'Joga, curte o momento, a responsabilidade é toda minha'. O menino jogou solto e ficou muito agradecido", diz Pacheco.
Gaúcho de Passo Fundo, o atacante da seleção tem um perfil que parece não combinar com o dos grandes líderes do esporte: é quieto, fechado, às vezes visto como "mascarado" por quem não o conhece. Mas exerce influência grande sobre os mais novos tanto dentro quanto fora da quadra. "Ele sabe acolher, mas também é duro quando precisa", diz o central Isac, que foi recebido pelo companheiro na seleção em 2013, aos 22 anos. "O Murilo é raçudo, assume as responsabilidades e também cobra. É um líder sem igual." Murilo diz que a forma como trata os novatos é reflexo do que aprendeu com os veteranos que estavam na seleção quando ele chegou. Entre eles, cita o irmão, Gustavo, um dos principais centrais que o vôlei brasileiro já teve. "Os mais velhos pegavam muito no meu pé, mas assumiam toda a responsabilidade. É o que tento fazer desde 2009", afirma o atacante. "Faço isso do meu jeito. Não sou de falar muito, mas sei cobrar."
Em 2014, Murilo foi além da atuação dentro das quadras e se tornou porta-voz dos jogadores durante os protestos contra a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), envolvida em escândalo de irregularidades no uso de verba pública, que levou à suspensão temporária do patrocínio do Banco do Brasil (R$ 70 milhões de 2012 a 2017). Os problemas administrativos parecem superados, mas agora o vôlei tenta resolver as pendências dentro da quadra. A seleção masculina não vive um cenário de renovação tão favorável como em 2001 e 2003, quando vários jogadores novos e talentosos chegaram com força para incomodar os mais velhos.
Em seu ano de estreia na seleção, após o sexto lugar em Sydney-2000, Bernardinho fez uma revolução na equipe e passou a dar mais espaço a nomes como Escadinha, André Nascimento, Anderson e Ricardinho. Esses jogadores, ao lado de outros experientes que já estavam no time, ajudaram a formar a base do grupo que foi medalha de ouro em Atenas-2004 e bicampeão mundial em 2002 e 2006. Nos últimos quatro anos, no entanto, o técnico brasileiro tem enfrentado mais dificuldades para montar a equipe.
O problema para encontrar "peças jovens" à altura dos veteranos é cada vez maior. A posição de Murilo é um exemplo. Ele é ponteiro passador, responsável tanto pelos ataques quanto pelos passes que fazem a bola chegar com precisão às mãos do levantador. Apesar de baixo para os padrões do esporte (tem 1,90 m), é também exímio bloqueador. Nos últimos dois anos, foi submetido a duas cirurgias no ombro e, aos poucos, está retomando a boa forma. Sem ele, a seleção perde muito volume de jogo.
Na convocação do time que vai à Olimpíada, feita em abril, Bernardinho seguiu a linha dos últimos anos e manteve Lucarelli como companheiro de posição de Murilo. "Ponteiro passador com nível de seleção hoje dá para contar nos dedos", diz Escadinha. O treinador tem recorrido a jogadores de idade mais avançada que já estiveram em seu radar antes, mas não conseguiram se firmar graças à enorme concorrência que havia na seleção. O oposto Evandro Guerra, de 34 anos, é um dos veteranos que voltaram a ganhar lugar na seleção olímpica.
A posição de líbero também passou por uma renovação às avessas. Depois de três anos de testes, Bernardinho recorreu a Escadinha, que já está com 40 anos e havia se aposentado da seleção depois dos Jogos de Londres-2012. O veterano se diz preocupado com o atual cenário do esporte brasileiro, principalmente nas categorias de base. "A qualidade técnica caiu muito, e me preocupa como alguns clubes têm tratado esses garotos", afirma o líbero. "Tem jogador de 16 anos com procurador. É ridículo. E não quer treinar, acha que sabe tudo."
A Olimpíada em casa traz o desafio de manter o foco e a concentração. Por isso, Murilo pediu aos pais que não viajem ao Rio de Janeiro. Arthur, o filho de 2 anos, ficará com os avós
Se montar o time é difícil, vencer os adversários será tarefa ainda mais árdua do que em Olimpíadas anteriores. E com um ingrediente a mais: a pressão. Os ingressos para as finais do vôlei no Rio foram esgotados logo na primeira rodada de vendas. A expectativa dos torcedores é grande, principalmente após os últimos resultados do time, que tem chegado a diversas finais, mas mostra dificuldades para conquistar títulos. Desde 2011, foram um vice-campeonato olímpico em Londres-2012, um segundo lugar no Mundial-2014, três vices da Liga Mundial (e duas edições longe das semifinais) e a prata no Pan de Toronto-2015. "Se você parar para analisar com calma, é um pouco surreal o que aconteceu com a nossa seleção", diz William, 36 anos, reserva do levantador Bruninho, de 29. "Nenhuma equipe ficou tanto tempo no auge quanto o Brasil. Os resultados caíram, mas continuamos chegando às finais. É difícil ganhar o tempo todo."
O time também encontrará equilíbrio inédito em Olimpíadas. Pelo menos sete equipes são candidatas ao pódio: Estados Unidos, Rússia, Polônia, Itália, França, Sérvia e Brasil. Murilo confirma que nunca viu nada parecido. "Sempre apontávamos os mesmos quatro que estariam na semifinal, com talvez um quinto correndo por fora", diz. "Até o Irã, que até pouco tempo atrás ninguém via como ameaça, montou um time competitivo e pode chegar."
O atacante admite que o desempenho nos últimos Jogos Olímpicos faz com que a busca pelo primeiro lugar seja ainda mais feroz. "A gente fica obcecado pelo ouro porque nas duas últimas edições batemos na trave", afirma. "Essas derrotas doeram bastante." Também pesa sobre todos os atletas a importância que o País tem no vôlei mundial e o peso da modalidade no quadro de medalhas. O objetivo do Comitê Olímpico do Brasil (COB) é que o País termine a competição em casa no top 10. "Isso entra em quadra com a gente", diz Murilo. "Só espero que seja um fator positivo, que nos faça jogar até mais do que esperamos."
O técnico Bernardinho – que afirmou que não vai nem a casamento de parente durante a preparação para os Jogos – demonstra consciência do momento não tão favorável para o vôlei brasileiro. "Não somos os favoritos", diz. "Podemos até conquistar o ouro, mas não somos favoritos." Para o técnico, o esporte vive um momento de "pulverização" que afeta também outros favoritos. O comandante da seleção brasileira exemplifica isso com o caso da França, que ainda não está classificada para os Jogos. Outro sinal dessa divisão de poderes vem da Copa do Mundo de 2015, uma das mais equilibradas da história. Estados Unidos, Itália e Polônia encerraram suas participações empatados com dez vitórias e uma derrota cada. Os americanos, porém, ficaram com a taça por terem um ponto a mais. As equipes que competirão nos jogos Rio-2016 só estarão completamente definidas no dia 6 de junho, quando acaba o Torneio Qualificatório Intercontinental, que será realizado na Cidade do México e fechará a última vaga.
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Como se destacar nesse novo cenário? Os veteranos conhecem bem as estratégias de Bernardinho para tirar o melhor do grupo e já encaram uma pré-temporada puxada no CT de Saquarema, no Rio. A Liga Mundial, que começa em meados de junho, será um teste importante. "Quando o Bernardinho chegou à seleção, derrubava paredes para dar treino, se precisasse", diz Murilo. Em 2004, o time acordava às 6h30 para treinar na areia. Hoje, os trabalhos normalmente começam às 8h. Não que Bernardinho tenha amolecido: o foco e a experiência fizeram técnico e equipe mudar. Mas quem quer vida fácil não tem lugar na seleção. "Neste ano, teremos mais tempo de treino e já estamos nos preparando para acordar mais cedo de novo", diz Murilo, às gargalhadas.
Outra preocupação está do lado de fora da quadra. Em uma competição em casa, os jogadores tendem a dividir a atenção com familiares e amigos. A seleção de Bernardinho já passou por isso no Pan de 2007 e conquistou o ouro. Mas perdeu as duas Ligas Mundiais que tentou decidir no Brasil, a última delas em 2015, no evento-teste dos Jogos do Rio. Para evitar esse tipo de distração, Murilo pediu aos pais que não viajem à capital carioca. O filho, Arthur, de 2 anos, deve ficar com os avós durante os Jogos. A atenção deve ser dividida apenas com a mulher, Jaqueline, que vai buscar o tricampeonato olímpico com a seleção feminina. "Sempre há uma esperança de ser campeão, ainda mais por ser a última Olimpíada dele", diz a atleta. "Seria uma glória em sua carreira." Nas duas últimas edições dos Jogos, ela assistiu das arquibancadas, ouro no peito, ao marido bater na trave. Agora, diz ter "sonhos para essa Olimpíada". E eles incluem uma medalha de cor diferente pendurada no pescoço de Murilo. Depois de lutar contra os limites do corpo, passar por duas cirurgias, assumir a liderança e a responsabilidade pelo time, não haveria final melhor para "o cara" da seleção brasileira.


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